segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Último sopro


Como se me arrancassem este último sopro
que me aquece nas noites frias de Inverno…
Hálito quente que se esvai em fumaça pálida
por entre as nuvens negras da alma
e o gelo cristalizado em estalactites de lágrimas…
Cinjo-me ao teu corpo de pedra e água,
nascente que germina quando o deserto ameaça
espraiar-se até aonde a vista alcança o oceano
e secar o mais ínfimo vestígio de vida humana!


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Vestido azul
















foto tirada em Almograve


Em cada dobra desse azul de cetim
fervilham-te os dedos miúdos,
enrolados na linha branca que baloiça
na bainha do teu vestido mágico,
onde céu e mar se fundem no dourado da tarde,
na frescura inocente da tua pele clara.

A sandália branca enterrada na areia
é a espuma das ondas que beijam a terra…
E assim caminhas, sonhando,
enquanto mimas o vento endiabrado
que salta, voa, empurra,
puxando-te para a frente e para trás
como se fossem bailarinos
de uma dança sem coreografia!

Corri e fui ter com as rochas do paredão…
Rugidos de água salgada explodiam,
uma orquestra infernal em rodopio:
trombones e contrabaixos,
bombos e fagotes abafavam qualquer violino.
Enquanto o mar engolia aquele pedaço de pedra
que um dia se transformaria em areia fina,
em bicos de pés e com o vestido molhado
estendi-me ao sol na inclinação a Sul,
já o granito se tornara mais loiro e macio.
Parecia um escorrega, mas os tentáculos dos moluscos
eram autênticas ventosas que me permitiam 
percorrer as zonas mais perigosas
como se fosse uma menina do mar!

sábado, 10 de dezembro de 2011

Serpente de duas cabeças


Terra de indigentes,
esfomeados de espírito sem alma,
corrompidos pela sede inesgotável de poder
fervilham num caldeirão de demência…

Ela, loira, do alto do seu poleiro germânico
cospe o veneno nazi que lhe corre nas veias,
ele, comido no seu porte de moribundo com sotaque francês…
São duas cabeças de um monstro de estrelas,
duas maiores do que o conjunto das 27 ou 17…
Uma a uma caindo na escuridão das cavernas,
no retrocesso histórico da humanidade…

Serpente de duplo pescoço destilas saliva ácida,
escorregadia e fedorenta,
e com ela cozinhas a poção mágica do apocalipse…
Mas nem tu sobreviverás à tua maléfica receita…

O furacão da Bretanha prepara-se para o ataque
e aponta os canhões como na guerra dos 100 anos.
Protegidos pela lucidez dos ventos gelados do Norte,
Suécia e Finlândia renegam esse canto de feiticeira,
víbora disfarçada de musa sedutora
que deseja degolar Ulisses e anunciar a sua morte!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Cratera


Sobre campos de feno dourado
e um imenso azul salgado,
escuto esse canto de tenor
vindo das terras quentes do Sul,
das crateras ardentes e húmidas,
onde amantes se perdem em suor e saliva,
deleite e luxúria,
escondidos numa clareira exótica
de orquídeas e glicínias,
presos numa teia doce
de chocolate, baunilha e canela…
… Prova-me… neste recanto prateado da lua,
onde o tempo fica suspenso
nos teus lábios e na minha língua,
enquanto me desenhas o contorno da cintura
e deslizas para as minhas coxas que se entreabrem
e clamam pela tua boca…

Escrevo-te na pele as linhas do meu corpo,
sorvo-te cada centímetro que cresce no meu ventre
como a areia seca que absorve a espuma branca do mar…
Ondulo sob a copa deste pinheiro bravo,
esfinge que nos suporta o sentido da vida…
Entre cada raio de luz que penetra a folhagem densa,
uma lágrima desprende-se do meu rosto…
… finalmente entras em mim como se fosse a última vez!


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sonho

 

Escuta a neve uivando na janela prateada,
cada floco de gelo derretendo na tua boca,
enquanto as mãos estremecem no fogo do meu ventre,
enquanto uma nuvem trespassa a última luz do dia
e um relâmpago violeta penetra essa fofa camada de céu...
Vêm as sombras do crepúsculo com asas de corvos,
uma porta abre-se, rangendo-te nos dentes brancos
e uma página solta-se do teu livro de memórias proibidas,
onde uma lua repousa abraçada a uma estrela sem vida...
Pirilampos e borboletas desenham-me um barco de papel
onde por fim adormeço esperando a tua visita!


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Noite de Outono















O lento despertar de uma clara luz de Outono
sussurrou-me o líquido marulhar de um riacho
que despontara das raízes grossas
de um rochedo velho e imponente…
A geada beijou-me as pálpebras semi-abertas,
perfumando-me o rosto com as tulipas e rosas
que nessa madrugada tinha pintado de rosa e violeta.
Cada pedaço de nuvem que me cobre os pés nus
é um tapete ambulante e voador
que eterniza o sonho já acordado
e que agora viaja para outros destinos,
onde as estrelas e a Lua brilham solitárias
na densa escuridão de um firmamento desconhecido.
Esgueiro-me numa das cinco pontas cruzadas,
tão brilhantes quanto um cristal dourado
e observo a luz refletida nesse véu cinza
com que me deito todas as noites!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A Principezinha!

Teces uma malha cinzenta e opaca
sobre as lágrimas agora embalsamadas...
São duas lentes com que olho o mundo velado,
sem nuvens, sem azul, sem pulsação...
Hastes que me aprisionam o rosto tolhido em pó,
escondido nesta almofada invisível,
clausura de vidro... e uma folha branca.
Desenho um novo planeta pleno de sorrisos,
cardumes em rios critalinos,
florestas sem cinzas ou túmulos humanos.
E escondo-me nessa linha de grafite,
tão fina como a teia que se esconde nos meus cabelos...

Viúva negra caminhas sobre os meus braços,
deténs-te no pescoço delgado!
Vampira que me crava as mandíbulas...

Arqueio sobre a lama quente,
destilo-me sobre a terra embebida em sémen
e ressuscito noutro corpo.


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Prisioneiro


Declino o verbo que germina na tua boca...

Desliza dos teus lábios para a minha língua

enquanto o marulhar sereno dos nossos corpos

se deleita no horizonte violeta...

Um uivo grave sussurra-me nas entranhas húmidas...

Estremeço na areia fina,

a espuma branca despiu-me o vestido de seda

e acaricia-me os seios hirtos e nus

enquanto me desfloras cada poro dilatado

com beijos salgados!

Enlaço-te entre suor e saliva,

és prisioneiro do meu inferno!

Ondulo ferozmente sobre o teu plexo rijo

como se galgasse as rochas que se estendem no paredão deserto!

Uma neblina clara de iodo abraça-nos enquanto amanhece...

sábado, 22 de outubro de 2011

Toca-me


Quando a terra deixar de germinar
e o vento abandonar as estepes frias,
os lobos sairão das tocas quentes
e os morcegos verão a lucidez na escuridão,
manta de pó e cinza
que se abateu sobre a matéria viva,
inferno de seiva, carne e saliva...

Um uivo ensurdecedor dilata-me as veias rubras,
percorre-me o plexo febril e sufoca-me a garganta...
Incendeio esta folha de papel e tinta,
porque as palavras, suaves ou mais duras,
não passam de vocábulos inativos,
mas providos da desejo e vontade.
São roupas com que nos protegemos ou atacamos...
Mas é na pele que se sente a verdade!
Toca-me! 


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Amor cósmico


Quando o mi e o lá
se encontram numa pauta translúcida
de veios líquidos como fios de água,
a terra e o mar silenciam-se...
Trazem jasmim, anémonas, pirilampos...
sentam-se na linha do horizonte,
baloiçando-se entre a vertigem de dois mundos:
no meu chão crescem árvores de fruto e searas de trigo,
no teu há cardumes e famílias de golfinhos!
Mas nada sou sem ti...

Contornas-me o corpo, sacias-me,
fecundas-me o útero e eu dou-te a vida...
O azul tinge-se de violeta,
desenha a sillhueta de uma lua ainda transparente...
do cimo da mais alta montanha estremece
o vento gelado do Norte,
salta em queda livre sobre o vale da Primavera
e apaixona-se pela brisa quente do Sul...
Dançam em remoinho: ela rindo, ele rugindo!